27 maio 2006

CORPORATIVISMO

Meu amigo Fabiano é daquelas pessoas falantes e animadas, que conhece todo mundo e tem um milhão de amigos, mas está sempre disposto a fazer mais um.
Pois o janelão da sala do apartamento onde o Fabiano mora dá de frente para os quartos do prédio do lado, onde tem uma jovem solteira que ele resolveu incluir no seu círculo de amizades.
Começou cumprimentando quando via a vizinha na janela, já que sempre foi um rapaz muito educado mesmo. Logo, logo, abanos e sorrisinhos e a proximidade das janelas proporcionaram diálogos mais completos e o número do telefone da moça. E ao cabo de uma semana uma série de telefonemas rendeu um convite para tomar um vinho na casa dela.
Fabiano se armou de duas garrafas e toda sua simpatia, e antes de terminar a segunda já tinha ganhado uma nova amiga. Íntima.
Seria então mais um romancezinho ordinário de fim de semana, se o celular da dita cuja não tivesse interrompido o transcorrer da noite e ela não houvesse atendido se desculpando que não sabia quem era, porque o identificador de chamadas não estava funcionando e podia ser a família, ligando do interior, que se ela não respondesse iam ficar preocupados e coisaital...
Passou-se que não era nenhum familiar querendo notícias do outro lado da linha, mas o ex-namorado, que por acaso também é vizinho e mora na cobertura do edifício dela. Que, de fato, não ficou muito tranqüilo quando a guria comentou que estava em casa sim, mas não podia falar porque estava tomando um vinhozinho com um amigo. Por isso mesmo a mocinha não quis atender ao telefone de casa quando começou a chamar, tirando o aparelho da tomada pra não incomodar. E o Fabiano achou que era melhor mesmo eles irem para o quarto, quando o interfone do apartamento tocou insistentemente. E os dois concordaram em se fechar no dormitório pra não ouvir a campainha e as batidas na porta da frente. E nem teriam ouvido mais coisa nenhuma, se o ex-namorado da moçoila não fosse mesmo um sujeito muito apreensivo e não tivesse pedido á síndica do edifício uma cópia da chave, que a gentil senhora mantinha pra regar plantinhas quando a menina ia visitar os parentes fora da cidade.
Mais tarde, pondo os assuntos em dia com a vizinhança a mulher justificou-se, dizendo que o rapazote era um moço de família e pareceu muito nervoso com a possibilidade de que a jovenzinha estivesse passando alguma dificuldade, já que não respondia porta ou telefone.
Pra mim o Fabiano contou que o cidadão já invadiu o quarto de casal aos berros e que não se acalmou em nada com a cena com que se deparou... Que foi por pouco que ele se escapou do primeiro golpe, já indo na direção da sala de estar, mas que não teve como se esquivar do segundo, enquanto vestia as calças que estavam no tapete. Diz que pensou que o melhor era deixar que o casal se acertasse, e teria ido embora sem sapato e camisa, se não tivesse percebido, já no hall do prédio, que não tinha como sair. Estava sem as chaves, que tinham ficado junto com o resto das suas roupas, e ainda que as tivesse, não tinha como deixar o edifício da garota, que estava devidamente trancafiado, naquela altura da madrugada. E ouvindo o quebra-quebra que seguia no apartamento, decidiu que deveria voltar pra apaziguar os ânimos, e achou que o extintor de incêndio do corredor poderia ser de alguma utilidade.
Na versão da síndica fofoqueira, o extintor estava mesmo com o Fabiano quando ela o encontrou subindo a escada, mas as calças não. Nem nenhuma outra peça de roupa... Claro que ela não se demorou observando mais detalhes, que é uma mulher direita e estava apressada indo ao Pronto-Socorro levar o morador da cobertura pra tomar pontos, depois que a moradora do primeiro andar tinha encerrado a confusão acertando uma samambaia de jeito na testa do coitado.
O fato é que o Fabiano voltou ao apartamento pra pegar as coisas dele, encontrou tudo de pernas pro ar e a vizinha bastante abatida, mas não achou nem os tênis nem o relógio importados que estava usando até a metade da segunda garrafa de vinho. Descobriu que tinham voado pela janela, no meio do qüiproquó e que a função toda ainda tinha lhe custado uns mil reais, por baixo. Naquela noite o Fabiano não dormiu quase nada, embora não tenha sido por preocupação e sim na ocupação de enfim, consolar a nova amiga... Bem consolada.
No dia seguinte, curando a ressaca e a orelha inchada, pensou um bocado a respeito dos fatos e considerou-se prejudicado, já que sóbrio a vizinha não era grande coisa mesmo e ele agora estava descalço e sem horário. Não se conteve e, antes de me ligar para contar toda a história, telefonou pra cobertura do vizinho e deixou um recado reclamando do seu prejuízo.
Eu, que sou a dona do apartamento onde ele protagoniza essas aventuras, acreditei que ele ia ter que se mudar, ou correr sérios riscos de receber uma floreira na cabeça, vinda lá dos altos do prédio ao lado. E fiquei bastante preocupada com as possibilidades de uma vingança no estilo violento-psicopata que parece ser a onda da vizinhança, contra o meu inquilino.
Mais tarde, durante o jantar, relatei o ocorrido na mesa e meu pai concluiu, entre gargalhadas e dentadas do seu sanduíche, que o que se aprendia disso era que nenhuma mulher prestava mesmo – apesar dele mesmo ter criado três e chamar de “Meu amor” uma nova candidata a (terceira) esposa. Sentenciou que os dois inocentes homens envolvidos tinham sido ludibriados pela desalmada da vizinha, que era uma bela de uma sirigaita. Conclusão essa que, veja bem, duas de suas filhas presentes ao jantar – no caso eu e minha irmã do meio, não só não contestaram como imediatamente apoiaram e endossaram com comentários desabonadores sobre a participação feminina no causo.
Na verdade não foi muita surpresa quando mais tarde o Fabiano me telefonou contado que o ex-namorado tinha retornado sua ligação para lhe pedir desculpas pelo lamentável incidente, que afinal ele tinha perdido a cabeça com a sem-vergonhice da ex-namorada, mas não devia jamais ter agredido o coitado do Fabiano, uma outra vítima da bandida.
No final o Fabiano já nem se importou tanto com os danos morais e materiais do sucedido e terminou a chamada combinando um choppinho com o seu mais novo amigo, o vizinho da cobertura.
Interessante mesmo foi o comentário conclusivo e consternado, de uma outra amiga pra quem contei a história: “É por coisas assim que as mulheres ainda não dominaram o mundo!”.

23 maio 2006

Ah, sempre enfim! Encontrei o que procurava por aí escondido em mim...

Hoje eu vinha caminhando pela rua quando vi uma floricultura chamada “Sapato Florido”.
Assim, sem mais nem menos... Eu vinha andando, digerindo o almoço tardio e minhas novas resoluções pra semana e de repente, ela estava lá. Numa daquelas transversais da Protásio em que se procura lugar pra estacionar e nunca tem.
E então eu sorri. Porque não creio que seja possível outra reação diante disso – uma loja de flores com nome de livro de poesia.
E pensei que talvez alguém tenha dito, ou eu mesma tenha intuído, mas que o certo é que a felicidade é uma forma de loucura...

18 maio 2006



E ainda me perguntam porque eu não como carne...

14 maio 2006

...e enfim

III

Da janela da sala ele podia ver o quarto da moça solteira no condomínio vizinho. Era filha do homem grande que nunca estava em casa e também estava acordada desde cedo, mas não havia deixado a cama. No meio da manhã já haviam se acumulado pilhas e pilhas de folhas de papel escritas sobre as cobertas em desalinho dela. Agora a tarde já ia pelo meio, e apesar de estar de folga ele não havia saído para aproveitar o dia luminoso, recusando o convite da noiva num telefonema curto e monossilábico, os olhos fixos na casa vizinha.
Não se conheciam apesar de freqüentarem a mesma academia. Nunca tinham se falado, mas ele havia ouvido a conversa dela por sobre os halteres, contando de outros lugares e viagens internacionais. A moça andava de óculos quando estava em casa e devia ser jornalista ou escritora, sempre cercada de livros grossos e escrevendo em cadernos ou no computador portátil.
Ele, todo mundo sabia quem era, é claro. Ainda assim não era de papo. Mesmo nos jogos, embora estivesse se destacando cada vez mais no time, não era nunca abordado pelos repórteres esportivos, que já conheciam sua fama de recluso e acabrunhado. Não se importava mesmo com isso, desde que tivesse agradando o Professor e a torcida. No fim, quem contava eram eles. Para eles tinha conquistado todos os campeonatos até aqui e assim também havia garantido os contratos de publicidade que tinham lhe valido a casa confortável e a vida folgada.
Mas alimentava uma inveja secreta e doída da moça que escrevia. Não dessas viagens que havia de ter feito pra outros países e contado nos livros, jornais e revistas. Sabia que poderia viajar um dia também, pois já se falava de um time árabe sondando sua posição lá no clube. Contudo tinha certeza de que nunca poderia escrever ou nem mesmo falar sobre isso.
Letras formando palavras e depois frases inteiras, saindo de sua boca ou perfiladas em linhas impressas. Isso era assustador e ele não poderia enfrentar. Ele que tinha sido eleito o zagueiro do ano e que desde criança no colégio não perdia uma dividida. Tinha medo da moça, das palavras e agora estava preso em uma janela.
Porque a vida tinha que ser assim?

10 maio 2006

Mais...

II


- Demorei, mas cheguei, Zé, jogo do timão, sabecumé...
- Opa, Rudi! Eu tava ouvindo os gritos daqui... Mas eu nem posso vê nada preso dentro dessa guarita quente, né? Eu não via a hora de sair daqui...
- Vim te rende, então, home! E esse pacote aí é pra casa nove? Sabe se a moçinha tá em casa?
- Ué, deve de está, né? Não sai nunca...
- É eu não vejo muito ela mesmo, mas sempre está com roupa de ginástica quando passa aqui. Será que não é professora da academia ali debaixo, não?
- É uma antepática, isso sim... Nem me olha na cara quando me vê...
- Oh, Zé, essa gente aí é tudo metida... Se acham melhor que quem não tem estudo.
- Ah, bom, disso nem posso reclamá , não... Passei o tempo todo de colégio pensando no recreio mas também não aprendi a jogar bola direito pra podê ganhar dinheiro de outro jeito... E agora, se quisé comê, tenho que ficá o dia todo preso aqui nessa casinha abafada, aturando gente metida. E achando bom!
- É Zé, e fazer mais o quê? A vida é assim mesmo, né?
- Nem me importa, mesmo. O que vale é que chego a hora de eu ir, e eu tô caindo fora... E que eu não jogo, mas meu time vai sê campeão!!!

09 maio 2006

A point of view

Atendendo a pedidos da massa dos meus quatro leitores, estou postando agora meu último exercício da Oficina, dividido em três partes.
A idéia é de praticar diferentes tipos de narrativa e eu decidi contar o mesmo fato, sob três diferentes pontos de vista, utilizando no I um narrador em primeira pessoa (através do protagonista), depois no II o modo dramático (somente com diálogos) e por fim no III a onisciência seletiva (ponto de vista de um personagem, narrado em terceira pessoa).
Deveras erudito, pois não? Seu Moschetta nem pode reclamar do investimento nesse curso, que pelo menos me faz parecer entendida em alguma coisa!!!

xxx


"O tempo... horas de horror e tédio na memória..." Manuel Bandeira

I


O tempo assumiu uma nova dimensão. Agora lembro a todo o instante desses momentos bobos, que quando aconteceram não tiveram maior importância ou significado, mas estão como que gravados em película, repetindo sempre e sempre feito um filminho travado em minha mente...
Como o abraço que ganhei de um amigo que foi me visitar no café num dia de verão. Uma tarde de sol brilhando que me encontrou faceira de poder vestir saia e blusa sem mangas, mãos no bolso do avental, observando as mesas de fora da cafeteria com mais atenção, querendo aproveitar todo o possível a raridade que é a luz do dia naquela cidade bege. Sim, porque ao contrário do que se diz, metrópoles desprovidas de incidência solar freqüente não são acinzentadas. Na verdade elas adquirem tons de um amarelado esquálido, uma coloração como que de dunas de areia, os dias amanhecendo e entardecendo sempre num tom frustrante e estéril.
Mas naquela quarta-feira o astro rei dava o ar de sua graça e ele atravessou a rua sorrindo para mim. A distância que estava quando eu o vi se aproximando permitiu que eu tomasse impulso para arriscar um salto curto e então ser amparada nos seus braços abertos e seguir girando uma meia volta leve e perfeita, como um passo de dança em câmera lenta. Na verdade, acho que foi mesmo como essas cenas que a gente assiste no cinema e pensa “assim é como deveria ser a vida”...
Aconteceu há mais de meio ano em outro país, outra realidade - mas poderia ter sido ontem. Hoje, as cobertas me capturaram novamente e sussurros ardilosos do lençol argumentam que não há motivos para deixar a cama. A sucessão dos anos, dias e horas perderam um pouco do sentido e é engraçado como o tempo pode passar tão rápido quando nada acontece.
Esse ronco no meu estômago deve significar que perdi o almoço, e por isso vou ficar na cama até a hora de ir para ginástica. No caminho para a rua desviarei os olhos do porteiro para evitar julgamentos que eu mesma faria se estivesse no lugar dele, já que a ociosidade está estampada em meu rosto.
A página 1364 da minha edição capa dura do Aurélio me diz que “O tempo é um meio contínuo e indefinido no qual os acontecimentos parecem suceder-se em momentos irreversíveis”. O sol brilhou lá fora todos os dias deste Outono mas acontecimentos não se sucederam e eu estou irreversivelmente presa nestas linhas
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05 maio 2006

Somewhere Over The Rainbow...


Parque Nacional da Serra Geral, Cachoeira do Tigre Preto - 01/05/06
Eu já vi tanta coisa e ainda resta tudo pra ser visto. Queria te falar e falo, mas acho que é mais fácil de ser compreendida escrevendo. O tempo passa mais devagar que a velocidade do meu pensamento. Eu parei, mas a minha busca continua indo. Só ainda não sei onde....